O que aconteceu com coração de homem que correu 366 maratonas consecutivas

Hugo Farias durante a primeira das 366 maratonas que percorreu consecutivamente

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Hugo Farias durante a primeira das 366 maratonas que percorreu consecutivamente

Fazer qualquer atividade diariamente por mais de um ano já exige bastante disciplina — imagine ar algumas horas todos os dias se dedicando a um hobby: pintando, cuidando de plantas, tricotando… Sem falhar um só dia.

Para Hugo Farias, o objetivo era ainda mais ousado: percorrer 42,195 quilômetros - uma maratona inteira, por 366 dias.

Hoje com 45 anos, Hugo trabalhou 22 deles no setor privado, como gestor executivo de grandes contratos de operações tecnológicas. A decisão de pedir demissão e focar sua vida em um desafio esportivo surgiu de um incômodo que foi crescendo aos poucos.

"Chegou um momento em que eu parei e pensei: será que eu vim ao mundo só pra isso? Pra repetir essa rotina por 35, 40 anos? E se for, tudo bem. A gente aprende desde cedo: escolher uma carreira antes dos 18, se especializar, entrar no mercado, buscar estabilidade, construir família, se preparar para aposentadoria. Mas eu comecei a sentir que podia fazer algo mais. Inspirar pessoas de uma forma diferente. Mas... o quê"Hugo durante testes no InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP) " loading="lazy" width="3024" height="4032" style="aspect-ratio:3024 / 4032" class="bbc-139onq"/>

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Legenda da foto, Hugo durante testes no InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP)

366 maratonas: o preparo do corpo e mente

Casado e pai de dois filhos, Hugo conta que escolheu começar o trajeto sempre pela manhã para ter tempo de ficar com a família e realizar os cuidados de recuperação ou fortalecimento muscular no restante do dia.

Ele fez a maioria das maratonas na mesma rota na cidade de Americana, no interior de São Paulo.

"Eu decidi fazer sempre o mesmo trajeto por alguns motivos. Primeiro: minha cabeça já sabia o que vinha pela frente. Eu conhecia cada subida, cada curva. Segundo: os pontos de parada e hidratação. Ao longo de um ano, você precisa parar — para ir ao banheiro, pegar mais água… E o terceiro motivo, pra mim, foi o mais importante: ibilidade. Queria inspirar pessoas, e que elas soubessem quando e onde me encontrar. Ao longo dessa jornada, mais de 5 mil pessoas correram comigo."

Hugo conta ter feito uma análise de riscos: "Eu poderia me lesionar? Sim. Ser atropelado? Sim. Ter algum problema familiar? Sim. Mapeei tudo isso, e tracei um plano de ação para cada cenário"

"Enfrentei de tudo: frio, calor, chuva, trânsito, caminhão ando muito perto... Lesões, três quadros de diarreia — o pior durou cinco dias. Nesse período, perdi 4kg. Foi preciso ajustar alimentação, hidratação. Mas seguimos."

Hugo também enfrentou algumas lesões ao longo do ano. Teve uma fasceíte plantar — uma inflamação dolorosa na sola do pé, comum em quem corre longas distâncias — por volta da maratona de número 120. Depois, por volta da maratona 140, desenvolveu uma pubalgia, uma lesão na região da virilha que afeta tendões e músculos do abdômen inferior e da parte interna da coxa.

"A pubalgia foi uma das piores fases. Uma lesão muito dolorosa. Mas como eu não podia parar, fiz recuperação ativa: caminhei 10 horas por dia durante cinco dias, segurando uma sacola com gelo na virilha. Depois fui voltando aos poucos: caminhar, trotar… até conseguir correr os 42 km de novo."

O acompanhamento psicológico também fez parte da rotina.

"Eu troquei uma carreira consolidada por algo totalmente incerto. E claro que isso gera ansiedade, insegurança. Então ter uma profissional com esse olhar independente foi importante para aliviar o peso e manter o foco."

gráfico com números do projeto de Hugp

Dois anos após concluir o projeto, Hugo escreveu um livro sobre a experiência — 'Nunca é Tarde Para Escrever Uma Nova História' —, correu outras maratonas e ultramaratonas, e agora planeja seu próximo desafio: ser o primeiro humano a correr toda a extensão das Américas, de Prudhoe Bay, no Alasca, até Ushuaia, na Terra do Fogo.

"A ideia é fazer isso em dez meses, trezentos dias — o que dá, em média, 85 quilômetros por dia."

Ele também quer transformar a jornada em um documentário para inspirar futuras gerações, mas ainda busca recursos para montar uma equipe de filmagem e um motorhome equipado.

"O objetivo é gerar uma grande conscientização global sobre os benefícios da atividade física e de que o ser humano é capaz de coisas incríveis. Ninguém precisa correr uma maratona por dia, mas cada um precisa acreditar de verdade em seu potencial."

Hugo cruzando a linha de chegada da maratona 366 ao lado de sua família

Crédito, Clayton Damasceno

Legenda da foto, Hugo cruzando a linha de chegada da maratona 366 ao lado de sua família

Gráfico por Caroline Souza, Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil