O que aconteceu com coração de homem que correu 366 maratonas consecutivas

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- Author, Giulia Granchi
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
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Fazer qualquer atividade diariamente por mais de um ano já exige bastante disciplina — imagine ar algumas horas todos os dias se dedicando a um hobby: pintando, cuidando de plantas, tricotando… Sem falhar um só dia.
Para Hugo Farias, o objetivo era ainda mais ousado: percorrer 42,195 quilômetros - uma maratona inteira, por 366 dias.
Hoje com 45 anos, Hugo trabalhou 22 deles no setor privado, como gestor executivo de grandes contratos de operações tecnológicas. A decisão de pedir demissão e focar sua vida em um desafio esportivo surgiu de um incômodo que foi crescendo aos poucos.
"Chegou um momento em que eu parei e pensei: será que eu vim ao mundo só pra isso? Pra repetir essa rotina por 35, 40 anos? E se for, tudo bem. A gente aprende desde cedo: escolher uma carreira antes dos 18, se especializar, entrar no mercado, buscar estabilidade, construir família, se preparar para aposentadoria. Mas eu comecei a sentir que podia fazer algo mais. Inspirar pessoas de uma forma diferente. Mas... o quê"Hugo durante testes no InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP) " loading="lazy" width="3024" height="4032" style="aspect-ratio:3024 / 4032" class="bbc-139onq"/>
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366 maratonas: o preparo do corpo e mente
Casado e pai de dois filhos, Hugo conta que escolheu começar o trajeto sempre pela manhã para ter tempo de ficar com a família e realizar os cuidados de recuperação ou fortalecimento muscular no restante do dia.
Ele fez a maioria das maratonas na mesma rota na cidade de Americana, no interior de São Paulo.
"Eu decidi fazer sempre o mesmo trajeto por alguns motivos. Primeiro: minha cabeça já sabia o que vinha pela frente. Eu conhecia cada subida, cada curva. Segundo: os pontos de parada e hidratação. Ao longo de um ano, você precisa parar — para ir ao banheiro, pegar mais água… E o terceiro motivo, pra mim, foi o mais importante: ibilidade. Queria inspirar pessoas, e que elas soubessem quando e onde me encontrar. Ao longo dessa jornada, mais de 5 mil pessoas correram comigo."
Hugo conta ter feito uma análise de riscos: "Eu poderia me lesionar? Sim. Ser atropelado? Sim. Ter algum problema familiar? Sim. Mapeei tudo isso, e tracei um plano de ação para cada cenário"
"Enfrentei de tudo: frio, calor, chuva, trânsito, caminhão ando muito perto... Lesões, três quadros de diarreia — o pior durou cinco dias. Nesse período, perdi 4kg. Foi preciso ajustar alimentação, hidratação. Mas seguimos."
Hugo também enfrentou algumas lesões ao longo do ano. Teve uma fasceíte plantar — uma inflamação dolorosa na sola do pé, comum em quem corre longas distâncias — por volta da maratona de número 120. Depois, por volta da maratona 140, desenvolveu uma pubalgia, uma lesão na região da virilha que afeta tendões e músculos do abdômen inferior e da parte interna da coxa.
"A pubalgia foi uma das piores fases. Uma lesão muito dolorosa. Mas como eu não podia parar, fiz recuperação ativa: caminhei 10 horas por dia durante cinco dias, segurando uma sacola com gelo na virilha. Depois fui voltando aos poucos: caminhar, trotar… até conseguir correr os 42 km de novo."
O acompanhamento psicológico também fez parte da rotina.
"Eu troquei uma carreira consolidada por algo totalmente incerto. E claro que isso gera ansiedade, insegurança. Então ter uma profissional com esse olhar independente foi importante para aliviar o peso e manter o foco."

Dois anos após concluir o projeto, Hugo escreveu um livro sobre a experiência — 'Nunca é Tarde Para Escrever Uma Nova História' —, correu outras maratonas e ultramaratonas, e agora planeja seu próximo desafio: ser o primeiro humano a correr toda a extensão das Américas, de Prudhoe Bay, no Alasca, até Ushuaia, na Terra do Fogo.
"A ideia é fazer isso em dez meses, trezentos dias — o que dá, em média, 85 quilômetros por dia."
Ele também quer transformar a jornada em um documentário para inspirar futuras gerações, mas ainda busca recursos para montar uma equipe de filmagem e um motorhome equipado.
"O objetivo é gerar uma grande conscientização global sobre os benefícios da atividade física e de que o ser humano é capaz de coisas incríveis. Ninguém precisa correr uma maratona por dia, mas cada um precisa acreditar de verdade em seu potencial."

Crédito, Clayton Damasceno
Gráfico por Caroline Souza, Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil