Brics no metro quadrado mais caro da África: 'Dá raiva e machuca'

- Author, Leandro Prazeres
- Role, Enviado da BBC News Brasil a Joanesburgo, África do Sul
Em 1941, um jovem sul-africano negro e pobre de 23 anos chegou à cidade de Alexandra, vizinha a Joanesburgo, em busca de uma vida nova e um lugar para morar. Pouco tempo depois, ele alugou um pequeno quarto com telhado de zinco sem aquecimento, água encanada e nem eletricidade.
"Embora a prefeitura tenha construído alguns prédios bonitos, (Alexandra) poderia ser justamente descrita como uma favela, um testemunho vivo da negligência das autoridades. As ruas não eram pavimentadas e sujas e repletas de crianças famintas, subnutridas correndo por aí seminuas", descreveu, décadas mais tarde em um livro.
O jovem se chamava Nelson Mandela.
Oitenta e dois anos depois de o líder antiapartheid e ex-presidente sul-africano morto em 2012 pisar em Alexandra pela primeira vez, a cidade continua sendo uma das áreas mais precárias de Joanesburgo e os telhados de zinco continuam sendo uma das marcas registradas do lugar.
E trinta e três anos após o fim do regime oficial de segregação entre brancos e negros na África do Sul, o país é, segundo relatório do Banco Mundial do ano ado, o país mais desigual do mundo. Enquanto o Laboratório Mundial da Desigualdade, dirigido pelo francês Thomas Piketty, afirma que o país pouco se moveu em termos de concentração de renda em três décadas.
A pobreza na Alexandra de Mandela contrasta de forma brutal com a riqueza do palco escolhido pelo governo sul-africano para sediar a 15ª Cúpula do Brics.
O encontro que reuniu os líderes do Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul nesta semana, aconteceu em Sandton, uma área na região metropolitana de Joanesburgo. O lugar é conhecido popularmente como o "metro quadrado mais caro da África" e fica a seis quilômetros de distância de Alexandra.
Lá, os telhados de zinco dão lugar a arranha-céus envidraçados com design moderno que abrigam multinacionais de faturamento bilionário como mineradoras como a Anglo Ashanti e empresas de tecnologia.
As ruas sem pavimento descritas por Mandela dão lugar a vias largas nas quais carros oficiais desfilaram ao longo dos últimos dias carregando presidentes, ministros e empresários dos países dos Brics.
É nessa área, por exemplo, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua comitiva ficaram hospedados.
A poucos metros do centro de convenções onde a cúpula é realizada, fica um complexo comercial conhecido como Mandela Square (ou Praça Mandela).

E é lá que um outro morador de Alexandra assiste à movimentação gerada pelo Brics enquanto serve mesas em um restaurante de comida indiana badalado.
Richard Malekano, 33, é garçom e vive em Alexandra há três anos. Ele vivia em Cosmo City, outra comunidade pobre de Joanesburgo, mas se mudou para ficar mais perto do novo emprego.
O restaurante onde trabalha fica em frente a uma estátua de Mandela em metal medindo aproximadamente quatro metros de altura.
"Você sabia que Mandela morou onde eu moro");