A busca no Canadá pelos corpos de milhares de crianças indígenas desaparecidas

Crédito, Getty Images
- Author, Holly Honderich
- Role, BBC News, Washington
A descoberta preliminar na semana ada dos restos mortais de 215 crianças indígenas — alunos do maior colégio interno do Canadá — gerou revolta em todo o país e apelos pela busca por outros corpos em valas comuns.
A revelação chamou a atenção para uma investigação em andamento pela Primeira Nação Tk'emlúps te Secwépemc, no oeste do Canadá, sobre as mortes de alunos de internatos.
Estes colégios internos istrados pelo governo faziam parte da política para tentar incorporar as crianças indígenas à sociedade canadense e destruir as culturas e as línguas indígenas.
O que sabemos sobre as descobertas preliminares?
Na última semana de maio, a chefe dos Tk'emlúps te Secwépemc, Rosanne Casimir, anunciou que os restos mortais de 215 crianças haviam sido encontrados perto da cidade de Kamloops, no sul de British Columbia.
Acredita-se que alguns sejam de crianças de apenas três anos.
Todas as crianças haviam estudado na Kamloops Indian Residential School — a maior instituição do tipo no sistema de internatos do Canadá.
Os restos mortais haviam sido encontrados dias antes do anúncio com a ajuda da tecnologia de radar de penetração no solo, conforme explicou Casimir, após o trabalho preliminar de identificação dos locais de sepultamento no início dos anos 2000.
O relatório final sobre a descoberta está previsto para ser divulgado em meados de junho, e as conclusões preliminares podem ser revisadas. Líderes e defensores indígenas acreditam que o número de 215 aumente.
"Lamentavelmente, sabemos que muitas outras crianças estão desaparecidas", afirmou Casimir em comunicado na semana ada.
Milhares de crianças morreram em internatos — e seus corpos raramente voltavam para casa. Muitas foram enterradas em sepulturas abandonadas.
Até hoje não há um panorama completo do número de crianças que morreram, das circunstâncias de suas mortes ou de onde estão enterradas. Iniciativas como a da Primeira Nação Tk'emlúps te Secwépemc estão ajudando a reunir um pouco dessa história.
A escola, que funcionou de 1890 a 1969, chegou a abrigar 500 alunos indígenas ao mesmo tempo, muitos deles enviados para morar no internato, a centenas de quilômetros de suas famílias. Entre 1969 e 1978, a instituição foi usada como residência para estudantes que frequentavam escolas locais.
Dos restos mortais encontrados, acredita-se que 50 crianças já tenham sido identificadas, segundo Stephanie Scott, diretora-executiva do Centro Nacional para a Verdade e Reconciliação. Suas mortes datam de 1900 a 1971.
Mas no caso das outras 165, não há registros disponíveis para marcar suas identidades.
As crianças "acabaram em valas comuns", diz Scott.
"Não identificadas, desconhecidas."
A descoberta gerou revolta na população canadense, com pessoas criando memoriais improvisados por todo o país.
Mas para os líderes indígenas, a descoberta não foi algo inesperado.
"A indignação e a surpresa da população em geral são bem-vindas, sem dúvida", declarou Perry Bellegarde, chefe nacional da Assembleia das Primeiras Nações.
"Mas o relatório não é surpreendente."
"Os sobreviventes vêm dizendo isso há anos e anos — mas ninguém acreditava neles", acrescentou.
O que são os internatos?
A Kamloops Residential School era uma entre mais de 130 escolas do tipo que funcionaram no Canadá entre 1874 e 1996.
Estas instituições eram um elemento fundamental na política governamental de assimilação forçada, pela qual cerca de 150 mil crianças das Primeiras Nações, Métis e Inuit foram retiradas de suas famílias durante este período e colocadas em internatos estatais.
Quando a matrícula se tornou obrigatória na década de 1920, os pais enfrentavam ameaça de prisão se não cumprissem a determinação.
A política traumatizou gerações de crianças indígenas, que foram forçadas a abandonar suas línguas nativas, falar inglês ou francês e se converter ao cristianismo.
As igrejas cristãs foram essenciais na fundação e funcionamento das escolas.
A Igreja Católica Romana em particular foi responsável por istrar até 70% dos internatos, de acordo com a Indian Residential School Survivors Society.
"Era política do nosso governo 'acabar com o indígena' na criança", afirmou Bellegarde.
"Foi um colapso da identidade, o colapso da família, da comunidade e da nação."

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O relatório histórico da Comissão da Verdade e Reconciliação, divulgado em 2015, descreveu a política liderada pelo governo como genocídio cultural.
O relatório de 4 mil páginas detalhou falhas abrangentes no cuidado e segurança dessas crianças, e a cumplicidade por parte da igreja e do governo.
"O governo, as igrejas e as autoridades escolares estavam bem cientes dessas falhas e de seu impacto na saúde dos alunos", escreveram os autores.
"Se a pergunta for: 'quem sabia o que e quando");