O dia em que Bob Marley jogou futebol com Chico Buarque e Moraes Moreira no Rio de Janeiro

Bob Marley no gramado com Moraes Moreira, Jacob Miller e Marco Mazola

Crédito, Acervo Bob Marley

Legenda da foto, 'O futebol fazia tanto parte da vida de Bob Marley quanto a música', afirma biógrafo de Bob Marley (da esq: Marley, Moraes Moreira, Jacob Miller e Marco Mazola)
  • Author, André Bernardo
  • Role, Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil

Bob Marley, que completaria 80 anos em 2025, estava em estúdio gravando Uprising — aquele que viria a ser seu último álbum lançado em vida — quando recebeu um convite para lá de irrecusável de Ramón Segura, diretor geral da Ariola: participar da festa de lançamento da gravadora alemã no Brasil.

Torcedor apaixonado da seleção à época tricampeã do mundo, o cantor jamaicano, então com 34 anos, nem pensou em recusar o convite. "Rivelino, Jairzinho, Pelé... A Jamaica gosta de futebol por causa do Brasil", explicaria, dias depois, já em solo brasileiro.

Convite aceito, um dos maiores nomes do reggae de todos os tempos embarcou em Port of Spain, em Trinidad e Tobago, rumo ao país do futebol. Marley não veio sozinho.

A bordo de um jato particular fretado pela Island Records, gravadora jamaicana fundada em 1959 que, hoje, pertence ao acervo da Universal Music, vieram, também, o guitarrista Junior Marvin, da banda The Wailers; o cantor Jacob Miller (1952-1980), do grupo Inner Circle; o executivo Chris Blackwell, fundador da Island Records, e sua mulher, a atriz e modelo Nathalie Delon (1941-2021).

E a comitiva seria ainda maior se o cantor e compositor Barry Manilow, também convidado para prestigiar o evento, não tivesse mudado de ideia na véspera do embarque.

Segundo Marco Mazzola, o fundador da Ariola Discos no Brasil, o voo de Bob Marley teve duas escalas: uma em Manaus, outra em Brasília, ambas para reabastecimento.

Em Ouvindo Estrelas - A Luta, A Ousadia e a Glória de Um dos Maiores Produtores Musicais do Brasil (2007), Mazzola conta que, em Manaus, os militares desconfiaram daquelas "figuras estranhas" e pediram explicações sobre o motivo da viagem.

Depois de algum tempo, liberaram seus aportes, mas, não concederam vistos de trabalho. "Isso nos causou muita frustração", ite Mazzola. "Tanto nós quanto eles sonhávamos com uma jam na festa de lançamento".

Por volta das 18h30 de terça-feira, 18 de março de 1980, a aeronave pousou no Rio de Janeiro. No saguão do aeroporto Santos Dumont, Bob Marley — vestindo uma boina de tricô chamada tam — falou da vontade de conhecer Gilberto Gil.

Em agosto de 1979, Gil tinha lançado Não Chore Mais, sua versão para No Woman, No Cry, um dos maiores hits do repertório do artista jamaicano. "O reggae tem a mesma raiz, o mesmo calor e o mesmo ritmo do samba", declarou aos repórteres. Do aeroporto, Marley e sua comitiva seguiram para o Copacabana Palace.

Pule Whatsapp e continue lendo
No WhatsApp

Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular

Clique para se inscrever

Fim do Whatsapp

Fanático por futebol, Bob Marley não era torcedor de um clube só. Na Jamaica, o menino que aprendeu a jogar bola nas ruas de Trenchtown, bairro pobre de Kingston, a capital do país, torcia pelo Boys Town. Mas, na Inglaterra, seu "time do coração" era o Everton; na Escócia, era o Celtic e, no Brasil, o Santos.

Na quarta, dia 19, dia seguinte à chegada no Rio, o rei do reggae ganhou de presente de Pelé, o rei do futebol, uma camisa 10 do time da Vila Belmiro.

Em sua visita ao Rio, Marley realizou outro sonho: conhecer Paulo Cézar Lima, também conhecido como Paulo Cézar Caju, companheiro de Pelé na seleção que conquistou a Taça Jules Rimet no México, em 1970.

"O futebol fazia tanto parte da vida de Bob Marley quanto a música", afirma o biógrafo Gerald Hausman, organizador da antologia O Futuro É O Começo (2013). "Adorava acordar cedo para correr e jogar bola. Quando estava em campo, sentia-se revigorado."

Na única vez em que esteve no Brasil, Bob Marley não entrou em estúdio ou subiu ao palco. Mas, boleiro incorrigível, não abriu mão de mostrar seus dotes como jogador.

A "pelada" foi marcada para o Centro Recreativo Vinícius de Moraes, no Km 18 de Avenida Lúcio Costa, antiga Sernambetiba, no Recreio dos Bandeirantes. É lá que funciona, até hoje, o "estádio" do Politheama, o time de futebol do cantor e compositor Chico Buarque que, reza a lenda, nunca perdeu uma partida oficial.

"Politheama era o time de botão do Chico, azul e verde, que ele fundou aos 15 anos", explica a jornalista Regina Zappa, autora das biografias Chico Buarque: Para Todos (1999) e Chico Buarque - Para Seguir Minha Jornada (2011). "Depois, foi promovido a time de futebol de verdade. No grego, Politheama significa: muitos espetáculos".

Bob Marley no gramado

Crédito, Acervo Bob Marley

Legenda da foto, Apaixonado por futebol, Bob Marley torcia pelo Boys Town na Jamaica e pelo Santos no Brasil

Ao contrário de Bob Marley, que torcia por diferentes clubes, Chico Buarque é torcedor de um time só: o Fluminense Football Club - paixão que herdou da mãe, Maria Amélia (1910-2010). Mas, os dois, Marley e Chico, têm algo em comum: sempre que saem em turnê, dão um jeito, antes ou depois dos shows, de bater uma bolinha com seus músicos ou membros da equipe técnica.

Certa vez, na falta de um campinho de futebol e de um time adversário, Chico e alguns integrantes de sua banda, como o percussionista Chico Batera, improvisaram uma troca de es e uns chutes a gol no corredor de um hotel em Brasília.

Mas Chico não gosta apenas de jogar futebol. Também gosta de assistir aos jogos pela TV e, de quando em quando, ser cronista esportivo — em 1998, na Copa do Mundo da França, escreveu uma coluna para o jornal O Globo.

Até criar um jogo de tabuleiro sobre futebol, Chico Buarque já criou: o Ludopédio, em 1969, pela Grow. A única coisa de que ele não gosta é teorizar sobre futebol. "Sou arinho, não ornitólogo", costuma dizer, citando o escritor chileno Antonio Skármeta.

Desde que o Politheama foi inaugurado, em 1979, Chico e outros "peladeiros" assumidos, como o cantor Carlinhos Vergueiro e o produtor e empresário Vinícius França, costumavam se reunir três vezes por semana - às segundas, quintas e sábados - para jogar bola.

Indagado sobre quem seria o "craque" do Politheama, Carlinhos Vergueiro diz que não gostaria de cometer injustiças. "O Politheama é, antes de tudo, um time. O entrosamento favorece as individualidades", filosofa.

Naquela tarde, o Politheama ganhou alguns reforços: Toquinho, Moraes Moreira e Alceu Valença, todos recém-contratados pela Ariola. Bob Marley chegou às 15h50. "Para minha tristeza, não compareci a esse evento histórico", lamenta Vinícius França. "Estava prestando exames finais na PUC".

Um craque entre os peladeiros

Evandro Mesquita compareceu, mas chegou atrasado. Estava na praia com Regina Casé e Patricya Travassos, acertando os últimos detalhes de um ensaio do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, quando Paulo Cézar Lima o convidou para jogar bola.

"O Bob Marley tá na casa do Chico e quer jogar com a gente. Bora lá" Richard Nixon aperta a mão de Elvis Presley no Salão Oval da Casa Branca." loading="lazy" width="1024" height="576" style="aspect-ratio:16 / 9" class="bbc-139onq"/>