'Não sabia se ela estava viva ou morta': a jovem que reencontrou a mãe dependente química após cinco anos na Cracolândia

Usuários de drogas se reúnem para fumar crack na região conhecida como Cracolândia, em São Paulo

Crédito, AFP

Legenda da foto, Usuários de drogas se reúnem para fumar crack na região conhecida como Cracolândia, em São Paulo
  • Author, Julia Braun
  • Role, Da BBC News Brasil em São Paulo

Julia tem 26 anos e ou os últimos cinco sem saber se sua mãe, dependente química, estava viva.

Depois que a mãe deixou a cidade onde as duas moravam no sul do país e se mudou para São Paulo, em 2015, elas perderam quase todo o contato.

Nos primeiros dois anos após a mudança, Julia afirma que ainda recebia notícias de tempos em tempos por meio de sua avó, que mantinha uma relação distante com a filha. Mas depois que a avó faleceu, toda comunicação foi perdida.

"Fiquei praticamente cinco anos sem saber se minha mãe estava viva ou morta", conta Julia à BBC News Brasil. "Essa dúvida me matava."

"O mais difícil foi ficar sem saber se deveria criar esperança de ver ela novamente e correr o risco de me decepcionar."

A única notícia que a jovem recebeu da mãe durante esse período veio de um amigo, que a encontrou por acaso há cerca de três anos nas ruas do centro de São Paulo, na região conhecida como Cracolândia, área conhecida por abrigar dependentes químicos e traficantes.

"Ele me disse que ela estava extremamente magra e sem alguns dentes. Ele ficou tão abalado que nem conseguiu pegar um contato", diz.

Há cerca de dois meses, porém, as duas se reencontraram.

A família de Julia recebeu no final de junho uma ligação de um hospital em São Paulo, onde a mãe da jovem estava internada após ser atropelada por um carro.

"Fiquei muito feliz quando recebi notícias", conta. "Ao mesmo tempo tive medo, porque não sabia o que esperar quando a visse novamente."

"Mas decidi dar uma chance para ela e a ajudar na recuperação."

Julia viu a mãe pela primeira vez pela tela de seu celular, em uma chamada de vídeo. "Eu não tinha condições de viajar para São Paulo, então os enfermeiros do hospital me ajudaram a falar com ela pelo telefone", diz.

"Quando vi o rosto dela pela primeira vez foi bastante difícil, pois ela estava muito diferente do que me lembrava, muito magra e debilitada."

Cracolândia em São Paulo

Crédito, AFP

Legenda da foto, Cracolândia em São Paulo

Em São Paulo, segundo Julia, a mãe provavelmente ou muito tempo morando nas ruas ou em meio a outros usuários de crack que ocupam algumas ruas no centro da cidade.

"Mas ela me disse que também ficava em albergues algumas noites", relata.

Julia contou com a ajuda do hospital para transferi-la até a cidade onde mora.

Após algumas semanas em uma clínica psiquiátrica, onde ou por um processo de desintoxicação, a mãe recebeu alta e foi levada para casa.

Desde o início de agosto ela está internada em um centro de reabilitação. "Ela está progredindo, já está ganhando peso e com a aparência melhor", diz a filha.

"O tratamento completo deve durar nove meses, mas é totalmente voluntário. Ela tem me dito que está empenhada em melhorar e que quer ficar lá, mas não podemos obrigá-la a nada."

"Estou bastante positiva, mas ao mesmo tempo tentando não criar expectativas demais, porque sei que pode ser um processo difícil".

'A cidade a engoliu'

Julia conta que essa não foi a primeira vez que a mãe se envolveu com o crack. "O vício está presente na vida dela desde os 15 anos, quando ela começou a usar drogas", diz.

Ainda na adolescência, a mãe foi internada em uma primeira clínica de reabilitação e, após engravidar aos 18 anos, ou um longo período sóbria. Mas em 2013, quando se mudou para o Rio de Janeiro, Julia acredita que ela voltou a usar drogas.

"Ela ou cerca de dois anos no Rio e em 2015 foi para São Paulo. Foi aí que a cidade a engoliu", conta à BBC News Brasil.

"Sempre fui muito apegada à minha mãe e durante os anos que ei longe dela sentia muita falta, especialmente do afeto", diz. "Minha mãe sempre foi a pessoa que me dava carinho, abraços e contato físico."

"Cheguei ao fundo do poço várias vezes depois que ela foi embora e minha avó faleceu. Mas desde o ano ado estou me sentindo melhor, com acompanhamento psicológico e fazendo terapia."

'Achava que era a única no mundo'

Um dia antes de sua mãe receber alta da clínica psiquiátrica onde ficou internada por algumas semanas, Julia decidiu compartilhar sua história nas redes sociais.

"Estava muito ansiosa para pegá-la no hospital e levá-la para casa. Estava insegura em ficar sozinha com ela", diz. "Aí decidi postar minha história no TikTok como uma forma de desabafo."

O primeiro vídeo de Julia sobre sua trajetória com a mãe já tem mais de 14 milhões de visualizações no aplicativo. Desde então ela vem postando atualizações sempre que recebe notícias da mãe e seu progresso na reabilitação.

"Imaginei que o vídeo poderia viralizar, mas não dessa forma", conta. "Desde que postei tenho recebido muitas mensagens de pessoas que têm histórias parecidas com a minha e enfrentam problemas com familiares dependentes."

"Fiquei bastante surpresa, porque em vários momentos achava que era a única pessoa no mundo a viver uma história assim. A gente sempre pensa que o nosso problema é o pior do mundo, né");