Universal pressiona, mas mantém pragmatismo e apoio a Bolsonaro após conflito em Angola

Bolsonaro ao lado de Edir Macedo durante visita ao Templo de Salomão em SP

Crédito, Agencia Brasil

Legenda da foto, As ameaças de um possível rompimento Macedo e Bolsonaro têm como pano de fundo os problemas enfrentados pela Universal em Angola desde o final de 2019
  • Author, Gilberto Nascimento
  • Role, De São Paulo para a BBC News Brasil

A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), liderada pelo bispo Edir Macedo, deu sinais na última semana de que poderia romper com o presidente Jair Bolsonaro em protesto contra ações do Ministério das Relações Exteriores, que não teria dado apoio à instituição em um conflito com o governo de Angola e religiosos locais.

Membros da Universal fizeram críticas públicas ao comportamento do Itamaraty, mas esse gesto foi visto por parlamentares no Congresso como uma "cortina de fumaça". Seria "um jogo de pôquer", apenas uma forma de pressão, na avaliação de políticos e religiosos ouvidos pela BBC News Brasil.

Edir Macedo quis demonstrar a sua contrariedade com Bolsonaro no episódio, mas nem por isso romperia definitivamente com o presidente de uma hora para outra. Tampouco se aliaria nesse momento à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Planalto, em 2022, como se especulou nos últimos dias.

O teólogo protestante Fábio Py, professor do programa de pós-graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, afirma existir conversas entre membros da Universal e do PT, mas envolvendo os escalões inferiores da igreja e do partido.

Avalia, porém que o descolamento do poder, por ora, está totalmente fora dos planos de Macedo. Até por envolver fatores importantes, como as receitas de publicidade da TV Record, a emissora do bispo. "Temos milhões de reais para o financiamento direto de campanhas de propaganda para a Record no governo Bolsonaro, via Secom (Secretaria de Comunicação) . Como ela recebe por isso, não vai abdicar dessas verbas. Não vai sair de uma forma tão explícita do governo agora", aponta o teólogo.

As ameaças de um possível rompimento entre Macedo e Bolsonaro têm como pano de fundo os problemas enfrentados pela Universal em Angola desde o final de 2019, quando mais de 300 bispos e pastores locais se rebelaram contra a direção brasileira da igreja.

Esses religiosos divulgaram um manifesto com denúncias graves contra os dirigentes brasileiros da instituição, como lavagem de dinheiro, expatriação de capitais, sonegação, racismo e imposição de vasectomia aos pastores. Em junho do ano ado, o bispos e pastores tomaram o controle dos templos da Universal.

A partir daí, as decisões de autoridades angolanas foram sempre favoráveis aos religiosos locais. Macedo buscou o apoio de Bolsonaro, mas considerou que seu pedido não foi atendido de maneira adequada.

No último dia 7 de maio, o Serviço de Investigação Criminal de Angola acusou quatro líderes da IURD - entre eles o ex-homem forte da TV Record no Brasil, Honorilton Gonçalves -, por lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Culto da Universal (IURD) em Angola

Crédito, Divulgação/IURD

Legenda da foto, Igreja Universal do Reino de Deus iniciou suas operações em Angola em 1992 e tem mais de 230 templos no país

As denúncias foram encaminhadas à Justiça e, em breve, os quatro representantes da igreja deverão ser julgados. A Universal no Brasil nega todas as denúncias e diz estar sendo vítima de perseguição por parte do governo e da Justiça angolana. Afirma ainda que os religiosos rebeldes do país africano seriam "ex-bispos e ex-pastores afastados por denúncias de desvios e irregularidades".

O governo de Angola também suspendeu as atividades da TV Record no país e decidiu não renovar mais os vistos de missionários brasileiros - entre eles bispos, pastores e obreiros -, que não aceitaram a nova direção da igreja.

Sem o vínculo com a denominação, esses religiosos decidiram permanecer ilegalmente no país e acabaram deportados. Até a terça-feira (19/05), 30 deles haviam retornado ao Brasil. Segundo a Universal, o total deve chegar a 100. Os primeiros pastores a voltar foram recebidos no aeroporto de Guarulhos como heróis pelo bispo Edir Macedo.

Diante de câmeras da TV Record, esses religiosos afirmaram ter ado fome e frio e nem sequer terem sido autorizados a recolher seus pertences em casa, antes de entrar no avião para a viagem.

A Record fez críticas duras ao governo Bolsonaro em seus telejornais. Disse que o Ministério das Relações Exteriores tratou o assunto com descaso. "O governo brasileiro, que deveria proteger os brasileiros em Angola, falhou nessa missão. Foi omisso e não atuou de forma ativa para evitar a deportação", prosseguiu.

Também presente na recepção aos deportados no aeroporto de Guarulhos, o bispo Renato Cardoso, genro de Edir Macedo e hoje o número dois na hierarquia da Universal, foi além: "O que mais no indigna não é o que está hoje em Angola, mas a ausência de autoridades brasileiras para interceder pelos pastores brasileiros em um país estrangeiro. Até quando o governo brasileiro vai ficar calado e ivo diante dessa situação");