Apolonia Flores, a menina de 12 anos torturada por ditadura no Paraguai por ser considerada 'guerrilheira'

Crédito, ARCHIVO PARA LA MEMORIA Y LOS DD.HH.
- Author, Adrián Pérez Duarte
- Role, Do Paraguai para a BBC Mundo
- Twitter,
“Quero saúde, quero educação. Não quero ver o meu povo morrer”, grita Apolonia Flores Rotela enquanto os camponeses acertam os últimos detalhes da viagem.
O ano era 1980 e o grupo de homens se preparava para desembarcar em Assunção desde o interior paraguaio com uma reivindicação.
Apolonia tinha 12 anos e, naquele momento, tomaria uma decisão que mudaria sua vida para sempre ao escolher acompanhá-los.
"Se eu morrer, talvez se faça justiça e os companheiros não tenham mais fome. Vou com vocês", diz ela.
Mas não muito longe dali, o plano para silenciar o protesto começava a tomar forma.
Apolonia foi uma das muitas vítimas do governo do general paraguaio Alfredo Stroessner, líder do governo militar mais longevo da história da América do Sul e que repreendeu violentamente o movimento pela reforma agrária e distribuição mais justa de terras.
Hoje, aos 56 anos, ela relata sua história à BBC News Mundo, serviço em língua espanhola da BBC.
Segundo a paraguaia, a luta pela terra entrou em sua vida quando tinha apenas 7 anos.
Naquele momento, a roça que seus pais trabalhavam no departamento de Misiones, no Paraguai, já não era suficiente para a família.
Como resultado da organização camponesa, conseguiram que o Instituto de Bem-Estar Rural (IBR) cedesse 500 hectares em Acaraymí, Alto Paraná, para famílias pertencentes às Ligas Agrárias Cristãs.
A organização se fortaleceu nas décadas de 1960 e 1970 e suas bandeiras coletivistas incomodaram especialmente a Alfredo Stroessner, que governou de 1954 a 1989.

Em 1975, sua família se mudou para Acaraymí. Apolonia era uma menina alegre que brincava no mato com as crianças de sua comunidade.
Mas a calma dos dias no campo foi interrompida quando o general Leopoldo Ramos Giménez e sua esposa, Olga Mendoza de Ramos Giménez, conhecida como "Ña Muqui", aram a reivindicar as terras onde a comunidade trabalhava.
O casal também é acusado de dar as ordens para um grupo de soldados matar todos os animais das fazendas locais e promover um cerco à comunidade local.
O cerco organizado pelos militares durou quatro anos. Três irmãos de Apolonia morreram no assentamento por falta de atendimento médico.
Sem remédios nem comida, encurralados em uma espiral de perseguições e prisões, os camponeses decidiram lutar por suas reivindicações.
1. A viagem
Em 8 de março de 1980, aos 12 anos de idade, Apolonia e outros vinte adultos que faziam parte das Ligas Agrárias Cristãs se prepararam para viajar para a capital paraguaia.
"Se você se levantar contra Stroessner, ele vai te matar. Você não pode ir embora!", implorou Genara Rotela, mãe de Apolonia, à filha.
"Prefiro morrer a viver assim! Não quero mais continuar nessa miséria, mãe", desabafa Apolonia, que por fim parte em viagem com o grupo.
No caminho, Mario Ruiz Díaz, um companheiro de viagem, tenta convencê-la mais uma vez a voltar. "Fique aqui na escola e amanhã você volta para casa", ele disse a ela, enquanto avam pelo prédio onde Apolonia estudava.
"Não insista. Vou com você até o fim!".

Crédito, CORTESÍA DE APOLONIA FLORES
Durante o caminho, os camponeses param um ônibus da empresa Rápido Caaguazú que viajava à noite para Assunção. Victoriano Centurión, líder do grupo, convence o motorista a levá-los à capital.
Mas no meio da noite, balas começam a ser disparadas contra o veículo. Mulheres, crianças e idosos viajavam no veículo com os camponeses.
O interior do ônibus fica coberto de vidro estilhaçado das janelas quebradas. Todos caem no chão. "Os militares estão chegando", Apolonia escuta.
"Vamos todos morrer!", diz um ageiro, em meio a gritos desesperados.
Os camponeses descem do ônibus e se abrigam na mata. Eles andam por horas, comendo milho cru e mandioca. Ninguém dorme naquela noite.
2. A perseguição
Junto com integrantes do Exército e da Polícia Nacional, civis armados que respondem ao Partido Colorado do líder paraguaio participam da perseguição aos camponeses.
A ordem é acabar com os "guerrilheiros" com sangue e fogo.

Crédito, PADRE J. M. BLANCH.
Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular
Clique para se inscrever
Fim do Whatsapp
No dia 12 de março, por volta das 4 da tarde, um dos camponeses sai do esconderijo onde se abrigaram após o acidente com o ônibus para buscar água.
Na volta, alerta aos companheiros: "Os militares estão chegando, preparem-se camaradas, são muitos!".
Os camponeses se dividem para fugir. O grupo de Apolonia caminhava sob um aguaceiro quando um tiro quebra o silêncio da noite.
Apolonia cai no chão. Ela foi atingida por seis balas e tem as pernas machucadas.
Cercada pela polícia, ela fecha os olhos. Prenda a respiração. "Senhor Todo Poderoso, se vou ser útil para meus irmãos, me ajude a encontrar uma saída", ela implora aos céus.
"Essa menina está morta. Vamos revistá-la, ela já tem pelos", disse um dos policiais. Ele rasga as roupas dela. Ele quer apalpá-la.
“Ninguém vai me tocar!”, grita Apolonia se levantando. Os policiais, que acreditavam que ela estava morta, se assustam. Eles dão alguns os para trás.
Eles perguntam por Victoriano Centurion, enquanto apontam suas armas contra a menina.
"Matem-me, por favor, não toquem mais em mim!", exclama. "Não sou um animal, sou um ser humano como você."
Os policiais riem e abusam sexualmente de Apolonia. Depois, arrastam seu corpo pelo mato.
Um chefe de polícia intercede e a leva para o hospital Caaguazú.
"O que vamos fazer se ela morrer");