'Mãe, me perdoe, mas não queria me parecer com você': a história de brasileira que cresceu com mãe com esquizofrenia

Mãe e filha abraçadas e sorrindo para foto

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, A jornalista chileno-brasileira Amanda Marton e sua mãe, Cecília, que ela chama carinhosamente de 'mainha'
  • Author, Fernanda Paúl
  • Role, BBC News Mundo

Amanda tinha apenas quatro anos quando sua mãe saiu de casa e seu pai se encarregou de cuidar dela.

A menina morava em São Paulo. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas conseguia deduzir algumas coisas.

Somente anos mais tarde, ela ficaria sabendo que sua mãe, Cecília, sofria de esquizofrenia. E foi justamente um de tantos surtos psicóticos que fez com que ela saísse de casa.

Cecília voltou para casa depois de ar por tratamento, quando Amanda já tinha oito anos de idade. Ela não só recebeu a mãe, como também precisou assumir a responsabilidade de ajudá-la nos momentos mais críticos, durante seu processo de crescimento.

Amanda Marton Ramaciotti hoje é jornalista e editora da revista Anfibia, no Chile, onde mora atualmente. Ela decidiu contar sua história familiar no livro No Quería Parecerme a Ti ("Eu não queria ser parecida com você", em tradução livre), um relato íntimo que conta sua relação com Cecília, além dos preconceitos, mitos e estereótipos existentes em relação à doença.

A obra também inclui informações científicas, entrevistas com especialistas e testemunhos de outras pessoas que também foram afetadas pela esquizofrenia.

Em entrevista à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC), a jornalista chileno-brasileira rea alguns episódios da sua obra recentemente publicada, aprofunda seus próprios temores e alerta sobre o enorme desconhecimento existente sobre a esquizofrenia no mundo.

Amanda Marton sorrindo para foto em sala

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Amanda Marton tem 31 anos e mora atualmente no Chile. Ela é editora da revista Anfibia e acadêmica da Universidade de Santiago
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BBC News Mundo: Por que você decidiu contar a sua história?

Amanda Marton: O ponto de partida foi aos 20 anos, quando descobri que, por ser filha da minha mãe, havia 13% de probabilidade que eu também tivesse esquizofrenia.

E, segundo todos os estudos, se não se manifestasse nenhum surto psicótico até que eu completasse 30 anos, a possibilidade de que isso ocorresse posteriormente seria muito baixa, de 1%, quase no mesmo nível do restante da população.

Foi ali que, sem querer, fiquei obcecada pelo tema. Comecei a ler muito sobre saúde mental, de diferentes pontos de vista – científico, literário e artístico.

Quando estava perto de completar 30 anos, comecei a me sentir hipócrita. Por ser jornalista, eu acredito no poder das histórias e observo o impacto positivo que gera sua publicação. E me sentia hipócrita quando contava histórias de vida de outras pessoas, mas não a minha própria.

Ali comecei a me motivar a escrever. Durante o processo, percebi que eu estava errada em muitas coisas, que queria derrubar certos tabus, mas eu mesma tinha vários tabus.

BBC: No livro, você diz: "Quero fazer e dizer todo o necessário antes dos 30, para se, por acaso, minha mente falhar, se acontecer algo." Como você viveu esses anos de incerteza?

Marton: Entrei em um frenesi muito grande antes dos 30 porque, se eu sofresse um surto psicótico, seria muito difícil ser uma jornalista confiável.

Trabalhei em diversos lugares ao mesmo tempo, queria fazer de tudo, lia compulsivamente. Eu diria que agi até de forma perturbada, no afã de não ter, entre aspas, a "loucura".

Amanda Marton mais nova no sofá com os pais

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Amanda Marton e seus pais, na última foto dos três, antes do divórcio do casal, em 2012

BBC: Agora, você tem 31 anos, ou seja, já ou do limite de idade dos estudos...

Marton: Devo confessar que, quando completei 30 anos, inicialmente tive uma sensação de vazio.

É como acontece quando alguém a por um conflito muito significativo e esse conflito deixa de existir. É claro que existe um alívio, mas também uma sensação de vazio, de perguntar "e agora");