Rebeca Andrade: o abraço que salvou a carreira da ginasta de nervos de aço

Rebeca está no pódio com Simone Biles e Jordan Chiles, que se curvam em reverência à atleta brasileira

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Medalhas olímpicas vieram depois de três lesões que quase tiraram Rebeca do esporte
  • Author, Camilla Veras Mota
  • Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
  • Twitter,

Depois de conquistar medalha de ouro no individual geral nos Jogos de Paris, a ginasta mais premiada de todos os tempos, a americana Simone Biles, confessou aos repórteres que acompanhavam a coletiva de imprensa depois da prova que uma adversária em particular a tinha deixado nervosa.

"Estou cansada, ela está perto demais", disse Biles, referindo-se à brasileira Rebeca Andrade, prata na competição.

"Nunca ninguém chegou tão perto, então isso realmente me deixou alerta e tirou a melhor atleta de dentro de mim. Estou tão empolgada e orgulhosa por competir com ela — mas estou ficando desconfortável, pessoal", disse, com um sorriso.

Corta para três dias depois. Após o mundo assistir da ponta do sofá o olhar concentrado de Rebeca enquanto esperava sua vez de competir na prova de salto que lhe rendeu outra prata, uma repórter perguntou o que ava pela cabeça dela naquele momento.

"Ah, eu estava viajando na maionese. Eu estava pensando nas receitas que eu vou fazer quando eu voltar para o Brasil", respondeu, com uma risadinha.

"Tinha um que era com batata e queijo, frango… Tem bolo, cookie, um monte de coisa."

O vídeo viralizou instantaneamente.

"Eu tinha ido dormir no dia anterior assistindo vídeo de receita, aquilo ainda tava na minha cabeça", ela relembra, três meses depois, à BBC News Brasil.

A reportagem foi ao Rio de Janeiro conversar com a ginasta, uma das três brasileiras na lista das 100 mulheres mais influentes da BBC, a BBC 100 Mulheres.

Legenda do vídeo, O abraço que mudou a trajetória de Rebeca Andrade

Era um sábado quando Rebeca apareceu para a entrevista em um hotel na Barra da Tijuca entre um compromisso e outro.

Tinha acabado de voltar do México, para onde tinha viajado a convite da marca Carolina Herrera para assistir ao desfile da coleção resort 2025 da marca e embarcava naquela tarde para São Paulo para gravar com as colegas de seleção uma campanha para uma varejista de moda.

Nos últimos meses, a atleta vem conciliando a rotina rigorosa de treinos com uma agenda de eventos concorrida, entre gravações de comerciais e sessões de fotos para revistas.

Ela diz gostar desse mundo, mas as prioridades são claras: "A ginástica vem primeiro. Sempre vem".

Simone Biles e Rebeca Andrade se abraçam em ginásio nos Jogos Olímpicos de Paris 2024

Crédito, Reuters

Legenda da foto, 'Nunca ninguém chegou tão perto', disse Simone Biles, a ginasta mais premiada da história, sobre a atleta brasileira
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Rebeca tem uma voz doce inconfundível e está sempre dando risada.

Foi assim que, logo após ganhar um ouro histórico no solo em Paris e Biles e a também americana Jordan Chiles se curvarem em reverência a ela no pódio, que Rebeca contou que, em vez das receitas, daquela vez tinha maratonado a série Grey's Anatomy na noite anterior à prova e sonhado que era uma cirurgiã.

Como alguém consegue conter a ansiedade em uma situação de pressão como uma Olimpíada?

"Foi uma longa jornada", ela diz à BBC News Brasil.

Qualquer cronologia mais superficial da carreira da ginasta é uma janela para o percurso que a tornou sinônimo de resiliência mental aos 25 anos.

Rebeca começou na ginástica aos 4 anos de idade, na periferia de Guarulhos, onde a mãe trabalhava em dois empregos para sustentar os oito filhos.

Quando apareceu a oportunidade de treinar profissionalmente, aos 10 anos, ela mudou-se para Curitiba, no Paraná.

Sofreu três lesões graves no joelho direito, dessas com potencial para encerrar a carreira de um atleta, que a impediram de treinar por oito meses a cada vez.

Mas se recuperou, voltou a competir — e se tornou a atleta com maior número de medalhas olímpicas do Brasil.

Rebeca Andrade faz acrobacia durante prova de solo nos Jogos Olímpicos de Paris 2024

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Rebeca rompeu o ligamento anterior cruzado do joelho direito três vezes

São seis: duas de ouro, três de prata e uma de bronze; quatro delas conquistadas nos Jogos de Paris em 2024 — as outras duas, na Olimpíada de Tóquio.

Ela é, claro, protagonista da própria história, mas faz questão de lembrar que nunca caminhou sozinha.

Na conversa com a reportagem, são reiteradas as referências à equipe, às colegas da seleção brasileira de ginástica, à família e à sua espiritualidade enquanto eia pelos altos e baixos da vida e da carreira.

A psicologia, por exemplo, proporcionou muitas das ferramentas que ela usa dentro do ginásio — a melhor maneira de respirar, como pensar rápido quando precisa, manter o corpo firme, sem tremer— e fora.

Rebeca é acompanhada pela mesma psicóloga desde os 13 anos e recentemente virou aluna do curso de psicologia em uma universidade particular no Rio.

"Com ajuda da minha psicóloga, a Aline (Wolff), eu fui conhecendo mais sobre o meu corpo, entendendo as coisas que funcionavam para mim, colocando as minhas prioridades e fazendo muitos exercícios para conseguir me entender e me conhecer", conta a ginasta.

"Acho que levei 11 anos para conseguir colocar tudo em prática, e agora, com 13 anos já de terapia, as coisas continuam fluindo, sabe");