Preço do ouro está nas alturas, mas é seguro investir nesse metal precioso?

Ilustração de várias barras de ouro enfileiradas

Crédito, Getty Images

  • Author, Theo Leggett
  • Role, BBC News

"O ouro que tem aí vale cerca de 250 mil libras (aproximadamente R$ 1,8 milhão)", diz Emma Siebenborn enquanto me mostra um pote de plástico desbotado repleto de joias antigas e gastas — anéis, pulseiras com pingentes, colares e brincos sem par.

Emma é a diretora de estratégias da Hatton Garden Metals, um negócio familiar de compra e venda de ouro em Hatton Garden, conhecido como o distrito de joalherias de Londres — e este modesto pote de bugigangas é uma pequena amostra do que eles compram no balcão todos os dias. Trata-se, na verdade, de sucata de ouro, que vai ser derretida e reciclada.

Também sobre a mesa, apresentada de forma mais elegante em uma bandeja forrada de camurça, há uma seleção de moedas e barras de ouro. A maior barra tem aproximadamente o tamanho e a espessura de um telefone celular. Ela pesa 1 kg e vale cerca de 80 mil libras (R$ 599).

Todas elas estão disponíveis para compra — e a recente alta nos preços do ouro levou a um aumento na demanda.

Zoe Lyons, irmã de Emma e diretora istrativa, nunca viu nada igual — muitas vezes ela se depara com potenciais vendedores fazendo fila na rua. "Há entusiasmo e burburinho no mercado, mas também nervosismo e apreensão", diz ela.

"Há ansiedade em relação ao rumo que o mercado vai tomar e, quando você sente essas emoções, acaba gerando grandes negócios."

Na joalheria MNR, algumas ruas adiante, um vendedor concorda: "Sem dúvida, a demanda por ouro aumentou", afirma.

Pule Whatsapp e continue lendo
No WhatsApp

Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular

Clique para se inscrever

Fim do Whatsapp

O ouro está certamente em alta. Seu preço aumentou mais de 40% no último ano. No fim de abril, subiu acima de US$ 3.500 por onça troy (medida para metais preciosos que equivale a 31.1034768 gramas). Isso representou um recorde histórico, mesmo levando em conta a inflação, ultraando o pico anterior registrado em janeiro de 1980. Naquela época, o preço em dólar era de US$ 850, ou US$ 3.493 nos dias de hoje.

Os economistas atribuem isso a uma série de fatores. O principal deles foram as mudanças imprevisíveis na política comercial dos EUA, introduzidas pelo governo Trump, cujos efeitos abalaram os mercados. O ouro, em contrapartida, é visto por muitos como um investimento sólido.

Os temores sobre a incerteza geopolítica só aumentaram seu fascínio. Muitos investidores aram a apreciar a relativa estabilidade oferecida por uma commodity que já foi descartada pelo bilionário Warren Buffett como "sem vida" e "sem muita utilidade nem valor reprodutivo".

"É o tipo de condição que consideramos uma espécie de tempestade perfeita para o ouro", explica Louise Street, analista de mercados do World Gold Council, uma associação comercial financiada pelo setor de mineração.

"É o foco em potenciais pressões inflacionárias. Os riscos de recessão estão aumentando, o FMI [Fundo Monetário Internacional] rebaixou as previsões econômicas muito recentemente..."

Mas o que sobe também pode cair. Embora o ouro tenha a reputação de ser um ativo estável, não é imune às flutuações de preço. Na verdade, no ado, grandes aumentos no preço foram seguidos por quedas significativas.

Mas, afinal, qual é o risco de que isso aconteça novamente, fazendo com que muitos dos ávidos investidores de hoje sofram grandes perdas?

O que realmente desencadeou a corrida do ouro

Graças à sua relativa raridade, o ouro é visto como uma reserva intrínseca de valor há séculos. A oferta global é limitada. Apenas cerca de 216.265 toneladas já foram extraídas, de acordo com o World Gold Council (o total está aumentando atualmente em cerca de 3.500 toneladas por ano). Isso significa que ele é amplamente percebido como um ativo do tipo "porto seguro" que vai manter seu valor.

Como investimento, no entanto, ele apresenta vantagens e desvantagens.

Diferentemente das ações, nunca vai pagar dividendos. Diferentemente dos títulos, não vai proporcionar uma renda estável e previsível, e suas aplicações industriais são relativamente limitadas.

Placa da rua Hatton Garden no bairro de Camden, em Londres

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Há ansiedade em relação ao rumo que o mercado vai tomar', diz a diretora de um negócio de compra e venda de ouro em Londres

A vantagem, no entanto, é que se trata de um produto físico que existe fora do sistema bancário. E também é usado como uma apólice de seguro contra a inflação: enquanto as moedas tendem a perder valor com o tempo, o ouro não.

"O ouro não pode ser impresso pelos bancos centrais, e não pode surgir do nada", diz Russ Mould, diretor de investimentos da corretora AJ Bell. "Nos últimos tempos, uma grande resposta política das autoridades em tempos de crise foi: reduzir as taxas de juros, aumentar a oferta de moeda, alívio quantitativo, imprimir dinheiro. O ouro é visto como um refúgio em relação a isso e, portanto, uma reserva de valor."

Recentemente, houve um aumento significativo na demanda por ouro dos chamados Exchange Traded Funds (ETFs), veículos de investimento que detêm um ativo como o ouro, enquanto os investidores podem comprar e vender ações do fundo.

Eles são populares entre grandes investidores institucionais — e suas ações ajudaram a aumentar o preço.

Quando o ouro bateu seu recorde anterior em janeiro de 1980, a então União Soviética havia acabado de invadir o Afeganistão. Os preços do petróleo estavam disparando, elevando a inflação nas economias desenvolvidas, e os investidores queriam proteger seu patrimônio. O preço também subiu acentuadamente após a crise financeira global, levando a outro pico em 2011.

Os aumentos recentes parecem se dever em grande parte à forma como os mercados reagiram à confusão desencadeada pelo governo Trump.

Jerome Powell

Crédito, AFP/Getty Images

Legenda da foto, Trump descreveu o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, como um 'grande perdedor'

A alta mais recente ocorreu depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, lançou um ataque online a Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Ao pedir cortes imediatos nas taxas de juros, ele descreveu Powell como um "grande perdedor" por não ter reduzido o custo dos empréstimos com a rapidez necessária.

Seus comentários foram interpretados por alguns como um ataque à independência do Fed. Os mercados de ações caíram, assim como o valor do dólar em comparação com outras moedas importantes — e o ouro atingiu seu recorde mais recente.

Mas a recente força do ouro não se explica totalmente pelo fator Trump.

Temores de uso do sistema do dólar como arma

O preço está em uma curva ascendente acentuada desde o fim de 2022, em parte, de acordo com Louise Street, por causa dos bancos centrais. "Eles têm sido compradores líquidos de ouro, para aumentar suas reservas oficiais, nos últimos 15 anos", explica. "Mas vimos que isso realmente se acelerou nos últimos três anos."

Os bancos centrais compraram coletivamente mais de 1.000 toneladas de ouro por ano desde 2022, em comparação com uma média de 481 toneladas por ano entre 2010 e 2021. Polônia, Turquia, Índia, Azerbaijão e China estavam entre os principais compradores no ano ado.

Os analistas afirmam que os próprios bancos centrais podem estar tentando acumular reservas em um momento de crescente incerteza econômica e geopolítica.

Uma corrente de ouro no balcão de uma joalheria em Hatton Gardens em 16 de abril de 2025 em Londres

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O ouro é visto como uma reserva intrínseca de valor há séculos

De acordo com Daan Struyven, codiretor de pesquisa global de commodities do Goldman Sachs: "Em 2022, as reservas do Banco Central da Rússia foram congeladas no contexto da invasão da Ucrânia, e os gerentes de reservas dos bancos centrais ao redor do mundo perceberam: 'Talvez minhas reservas também não estejam seguras, e se eu comprar ouro e guardar em meus próprios cofres");