Os quilombolas que estão desafiando mineradora britânica acusada de soterrar rio na Chapada Diamantina

Catarina Oliveira da Silva em frente ao lago

Crédito, Paulo Koba/BBC

Legenda da foto, Catarina Oliveira da Silva é uma das moradoras que decidiram processar a empresa
  • Author, Leandro Machado, Ione Wells e Jéssica Cruz
  • Role, Enviados da BBC a Piatã (BA)

Uma cratera cinza em um mar de montanhas verdes.

Esse é um cenário de Piatã, cidade da Chapada Diamantina, centro do Estado da Bahia, um dos pontos turísticos mais exuberantes do país e palco de um conflito que há alguns anos opõe moradores de duas comunidades quilombolas centenárias - Bocaina e Mocó - e uma empresa britânica de mineração chamada Brazil Iron.

De um lado, pequenos agricultores no entorno da mina reclamam de supostos danos ambientais causados pela exploração do minério de ferro, como poluição e soterramento das nascentes de um rio, além de prejuízos à saúde causados pela poeira lançada no ar por explosões.

Do outro, a companhia britânica nega qualquer irregularidade ou dano ambiental e diz fazer uma "mineração verde", movida a energia renovável e com uso menor de carbono, um dos gases do efeito estufa que causa o aquecimento global.

Também afirma ter encontrado uma reserva de ferro "importante para o planeta", recurso em parte a ser utilizado na construção de trens e carros elétricos.

A empresa está sendo processada pela Defensoria Pública da União (DPU), que defende as famílias de pequenos agricultores da região, e é também alvo de uma investigação do Ministério Público da Bahia.

Nesta quarta-feira (24/4), o embate tem um novo capítulo, dessa vez internacional.

Pule Whatsapp e continue lendo
No WhatsApp

Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular

Clique para se inscrever

Fim do Whatsapp

As cerca de 80 famílias da região de Piatã apresentaram em um tribunal de Londres uma queixa formal sobre supostos impactos ambientais e danos à saúde mental e física relacionados à operação da mina, que durou três anos - eles querem que a Justiça do país obrigue a empresa a pagar indenizações a cada uma das famílias.

No ano ado, as comunidades informaram à Justiça britânica, por meio de um grupo de advogados, que tinham a intenção de processar a Brazil Iron - abrindo um prazo para que as partes resolvessem a questão extrajudicialmente, o que não aconteceu.

Por meio dos mesmo dos advogados, os moradores conseguiram uma liminar: a corte britânica proibiu a companhia de entrar diretamente em contato com os quilombolas, porque as famílias diziam se sentir intimidadas por funcionários da empresa por meio de visitas e cartas.

Na época, as operações da empresa já estavam paralisadas. Em abril de 2022, após três anos de atividades e denúncias de irregularidades dos locais, o governo da Bahia - do então governador Rui Costa (PT), hoje ministro da Casa Civil - interditou a mina da Brazil Iron por tempo indeterminado.

Cratera

Crédito, Paulo Koba/BBC

Legenda da foto, Cratera para mineração foi aberta em meio às montanhas da Chapada Diamantina

Mas a Brazil Iron, bancada com dinheiro de acionistas, incluindo ingleses, não desistiu dos seus planos: planeja conseguir retomar não só os trabalhos em Piatã como também expandir a mineração para outros 30 pontos da Chapada Diamantina - em cidades como Abaíra e Jussiape -, segundo requerimentos formais de licença de pesquisa para mineração obtidos pela reportagem.

Já a prefeitura de Piatã - município com cerca de 20 mil habitantes - celebra os ganhos financeiros da chegada dos britânicos: surgiram vagas de emprego em uma região com escassez de oportunidades, a economia melhorou com a abertura de restaurantes e hoteis, além da cidade ter ado a receber royalties pela exploração mineral em seu território, o que proporcionou obras públicas.

Em março, a reportagem da BBC News Brasil foi até Piatã para entender esse conflito. Na cidade conhecida por sua centenária produção de café e cachaça, o cenário é de divisão: parte da população, principalmente na zona rural, tem resistido à mineração, enquanto outra parcela apoia o setor.

'Tudo foi por água abaixo'

"Sou da sexta geração de quilombolas da Bocaina", diz Catarina Oliveira da Silva, de 52 anos, que se tornou líder de uma associação que vem desafiando a empresa desde o início das operações da mina, em 2019.

"A gente tem uma história de uns 200 anos. Uma história triste que vem da escravidão, meu tataravô foi escravo. Será que nunca teremos paz");