Como é viajar pelo 'lugar mais lindo da Terra'

Crédito, Soumya Gayatri
- Author, Soumya Gayatri
- Role, BBC Travel
Meu carro serpenteia pela Rodovia Militar Georgiana – um caminho de 210 km, repleto de curvas, que atravessa as montanhas do Cáucaso, na Geórgia.
Durante a viagem, sou agraciada pela visão de vales verdejantes, cortados pela borbulhante água dos rios, e aldeias pitorescas, empoleiradas na borda dos rochedos.
Igrejas ortodoxas georgianas aparecem ocasionalmente no horizonte, com suas belas cúpulas, enquanto mosaicos coloridos da era soviética adornam os muros dos pontos de ônibus desertos.
Em um desses pontos, um vendedor sorridente começa a cantar, enquanto me entrega um prato com os típicos pastéis cozidos georgianos, às margens do cintilante rio Aragvi e suas águas azuis.
"É engraçado, poucos turistas visitam esta parte da Geórgia. Mas é o lugar mais lindo da Terra – e o meu favorito", afirma Mirian Takvarelia, motorista da empresa de transporte local GoTrip Georgia, que contrata táxis para viagens de vários dias pelo país.
"Você precisa vir até aqui apenas uma vez para se apaixonar pelo Cáucaso."
Pergunto a Takvarelia há quanto tempo ele vem guiando turistas pela Rodovia Militar Georgiana. Ele sorri.
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"Muito tempo", responde ele. "Talvez 15 ou 16 anos."
Dezesseis anos talvez não signifiquem muito em outros países, mas no sul do Cáucaso, onde fica a Geórgia, este período marca o tempo decorrido desde a Guerra Russo-Georgiana de 2008. O conflito durou cinco dias, mas deixou um rastro de devastação pela Rodovia Militar Georgiana.
A Geórgia fez parte da extinta União Soviética, entre 1921 e 1991. A estrada liga a capital georgiana, Tbilisi, à cidade fronteiriça de Vladikavkaz, na Rússia. Ela é a única via terrestre direta entre a Geórgia e a Federação Russa.
Mas o histórico de conflitos no país é muito mais antigo.
Historicamente, a Geórgia foi objeto de rivalidade entre os romanos, persas, otomanos e russos. O motivo é sua localização estratégica, entre a Europa e a Ásia.
A Geórgia também mantinha uma antiga estrada no Cáucaso que conectava os dois continentes. Conhecida como Porta Caucasia, ela era fundamental para o transporte de tropas entre os diferentes impérios e para o lançamento de ataques contra inimigos.

Crédito, Alamy
Após o Tratado de Georgievsk, no século 18, os russos fizeram de Porta Caucasia um moderno caminho militar, que originou o nome Rodovia Militar Georgiana.
A estrada foi fundamental para muitas ofensivas militares russas nos séculos 18 e 19, como a Guerra do Cáucaso (1817-1864), a Guerra Russo-Circassiana (1763-1864) e a Guerra Múrida (1800-1864).
História militar à parte, a Porta Caucasia também foi um trecho importante da Rota da Seda, que ligava a China ao Mediterrâneo.
Caravanas carregadas de seda, joias e especiarias avam por ali, enquanto escritores antigos descreviam a beleza natural da região, como o grego Estrabo (c.63 a.C.-c.24 d.C.) e o romano Plínio, o Velho (23-79 d.C.).
Ainda hoje, a estrada é extremamente movimentada. Por ela, a de tudo, desde produtos eletrônicos baratos até as perfumadas flores armênias da região do Cáucaso.
A estrada serve de via de agem para pessoas e ideias desde a Antiguidade, mas o rico patrimônio cultural da região foi ofuscado pelos conflitos em muitas ocasiões.
"[A Rodovia Militar Georgiana] é repleta de arte e arquitetura. Ela representa o belo patrimônio histórico do nosso país", conta a guia turística local Sofia Knoeva, da agência de viagens Friendly.ge.
"Todas as companhias de turismo da Geórgia estão, agora, incorporando a Rodovia Militar aos seus pacotes básicos para turistas estrangeiros, para que as pessoas possam vivenciar a riqueza cultural da região."
Percorrendo o trajeto
Para os próximos três dias, Takvarelia e eu estabelecemos um itinerário ao longo da rodovia, partindo de Tbilisi, no sul, até Stepantsminda, no norte do país. Iremos parar em mosteiros remotos, mosaicos da era soviética, restaurantes que servem pratos de khinkali – os pastéis cozidos gigantes da Geórgia – e vales verdejantes, com seus fortes medievais em ruínas.

Crédito, Soumya Gayatri
Começamos pela cidade histórica de Mtskheta, sede da Igreja Ortodoxa Georgiana desde o século 4º.
Localizada entre a confluência dos rios Kura e Aragvi, Mtskheta foi um centro comercial importante da Rota da Seda e uma capital sagrada. Foi aqui que Santa Nina chegou à Geórgia, no ano 337, para converter a região ao Cristianismo.
Hoje, Mtskheta é Patrimônio Mundial da Unesco. A cidade abriga três igrejas: o Mosteiro Jvari, o Mosteiro Samtavro e o imenso complexo da Catedral Svetitstkhoveli.
O complexo do Mosteiro Samtavro abriga os túmulos do rei Mirian (o primeiro rei cristão da Geórgia) e da sua rainha Nana. Acredita-se também que a Catedral Svetitskhoveli tenha recebido a túnica de Jesus Cristo que foi trazida para Mtskheta por um judeu georgiano chamado Elioz.
O complexo da catedral data do século 11. Nele, iro belos relevos escavados na pedra, vívida iconografia religiosa e detalhados afrescos.
Antigas ânforas quevri no jardim remetem à época em que a catedral produzia seu próprio vinho, que era armazenado nestes recipientes de barro, embaixo da terra.
Enquanto eio pelo centro histórico de Mtskheta, encontro pessoas vendendo de tudo, desde joias laqueadas e tapetes tradicionais até especiarias perfumadas e sorvete de vinho. Eles me transportam ao tempo em que as caravanas da Rota da Seda paravam nesta antiga cidade em busca de comida, repouso e oportunidades de comércio.
Mas o monumento mais simbólico do conjunto da Unesco em Mtskheta é o pequeno Mosteiro Jvari, do século 6º.
Empoleirado sobre um rochedo de frente para os rios, o conjunto é um dos poucos exemplos remanescentes da arquitetura das igrejas georgianas do início da era medieval. Ele inclui detalhados baixos relevos e inscrições em asomtavruli (a antiga escrita georgiana).
A igreja foi construída no local da primeira cruz de madeira erguida no século 4º, para simbolizar o surgimento do Cristianismo na Geórgia. Ela ainda é um dos locais de peregrinação mais sagrados do Cáucaso.

Crédito, Soumya Gayatri
Depois de um dia explorando o ado religioso de Mtskheta, começo a me embrenhar pelas montanhas para explorar os mosaicos soviéticos da Geórgia, antes que eles desapareçam.
Na exótica aldeia de Tsikhisdziri, peço para descer em um ponto de ônibus deserto, para irar um de cerâmica colorido, que está desmoronando. Ele mostra leões, cavalos, aves mitológicas e imagens folclóricas em tons brilhantes de vermelho, azul e amarelo.
"Por que você quer parar aqui");