O bizarro paradoxo quântico do 'tempo negativo'

Crédito, Getty Images
- Author, Richard Fisher
- Role, BBC Future
Tony Soprano está fumando um charuto, dirigindo para casa. Sua viagem começa em Manhattan, onde ele entra no Lincoln Tunnel, com destino a Nova Jersey. Como não há trânsito, ele a pelo túnel em poucos minutos, emergindo à luz do dia.
Assim começa a conhecida abertura da série Família Soprano.
No mundo físico dos chefes da máfia, um evento segue o outro. Portanto, se Tony risca um fósforo para acender seu charuto, isso precisa acontecer antes que a ponta se acenda. Essa causalidade parece ser fundamental para a forma como vivenciamos o Universo.
No entanto, a nível quântico, o sequenciamento temporal não é tão claro ou intuitivo. Nos últimos anos, os físicos têm explorado alguns comportamentos muito intrigantes em escalas muito pequenas — alguns dos quais podem ser explicados, enquanto outros parecem questionar nossa compreensão do ado, do presente e do futuro.
Para se ter uma ideia, imagine que a abertura da série Família Soprano mostrava um helicóptero do FBI, a polícia federal americana, observando Tony sair do Lincoln Tunnel — mas eles não conseguem entender o que estão vendo.
Da perspectiva deles, o chefe da máfia sai do túnel antes de entrar. E quando os desnorteados agentes do FBI olham seus relógios, constatam que ele ou uma quantidade negativa de tempo dirigindo entre Manhattan e Nova Jersey.
É claro que isso é impossível. No entanto, recentemente, físicos ganharam destaque no noticiário por medir uma duração de "tempo negativo". Em experimentos quânticos, eles enviaram pulsos de luz por meio do equivalente a um túnel — mas, assim como a intrigante jornada hipotética de Tony Soprano, os pulsos aparentemente aram menos de zero tempo viajando.
E este não é o único exemplo desconcertante de estranheza temporal em escalas muito pequenas — outros teóricos acreditam que é concebível que algumas partículas possam até mesmo mudar o ado a partir do futuro, por meio de um efeito chamado "retrocausalidade".
No mundo quântico, parece que nossa compreensão do tempo rapidamente se torna, digamos, desordenada.
Um atraso negativo
Este ano marca 100 anos desde o desenvolvimento da mecânica quântica, e a Organização das Nações Unidas (ONU) designou 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas.
No último século, os físicos exploraram todos os tipos de comportamentos incomuns no mundo quântico: entrelaçamento, superposição, incerteza e muito mais.
Um dos exemplos menos conhecidos é a maneira intrigante com que a luz atravessa barreiras, como nuvens de átomos.
Na década de 1990, físicos dispararam fótons por uma barreira como um "pacote de ondas" (um feixe de ondas que descreve tanto a natureza da partícula quanto da onda da luz).
Curiosamente, o pico do pacote aparentemente emergiu antes de ele entrar — como um carro saindo de um túnel antes de entrar nele.

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Uma teoria anterior, de meados do século 20, havia previsto o efeito — hoje conhecido como "atraso de grupo negativo" —, mas observá-lo experimentalmente era outra coisa, uma vez que deveria ser impossível.
Isso sugeria que a luz poderia viajar mais rápido do que ela mesma, o que não faz sentido. Além disso, os eventos no tempo estavam aparentemente ocorrendo fora de ordem.
"Tivemos que encontrar uma nova maneira de conciliar isso com nossas ideias de causalidade", diz o físico Aephraim Steinberg, da Universidade de Toronto, no Canadá.
Nos anos seguintes, Steinberg e seus colegas físicos propam o que poderia estar acontecendo, sem violar as leis da física conhecidas.
Em resumo, eles argumentaram que o pacote de ondas não estava viajando no tempo, mas se reorganizando para dar a impressão de que o efeito vinha antes da causa.
Para entender, imagine uma fila de carros dirigindo entre Nova York e Nova Jersey, diz Steinberg. Podemos imaginá-los como 100 Tony Sopranos, cada um dirigindo bem colado atrás do outro em um congestionamento. Eles representam fótons em um pacote de ondas.
A fila de Tony Sopranos parte de Manhattan às 13h. Por volta das 13h30, o ponto médio deste "trem" de carros entra no Lincoln Tunnel. Este é o pico de um pacote de ondas.
Você esperaria que este pico sairia alguns minutos depois, certo? No entanto, o pico já saiu do túnel — às 13h25. Tony Soprano, um aparente viajante do tempo.
O que pode realmente estar acontecendo a nível quântico, dentro da barreira, é que nem todos os fótons estão conseguindo ar, diz Steinberg.
Na analogia com o carro, alguns estão parando no acostamento ou retornando; no experimento, eles são absorvidos ou ejetados por átomos dentro da barreira.
Quando isso acontece, o rastro dianteiro do pacote de ondas se remodela em um novo pico. Ele se parece estranhamente com o que está entrando.

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Naturalmente, é mais complexo do que isso — os fótons não agem como carros enfileirados porque sua posição é indeterminada.
"Os fótons não têm nenhuma identidade individual", explica Steinberg.
"É por isso que o túnel é puramente uma analogia, mas serve para mostrar que não há contradição com a causalidade."
Portanto, o que parece ser uma violação das leis da física é mais como uma reorganização dentro do pulso de luz. Com essa explicação, nenhuma partícula está experimentando tempo negativo, e não há viagens mais rápidas do que a luz.
Mistério resolvido? Não exatamente.
Uma duração negativa
Experimentos mais recentes do grupo de Steinberg acrescentaram uma nova reviravolta que (ainda) não pode ser explicada. Enquanto os físicos do estudo anterior observaram um aparente atraso negativo — um pulso que saía de uma barreira antes de entrar — desta vez, uma equipe liderada pela física Daniela Angulo Murcillo calculou uma duração negativa.
Atraso e duração parecem ser a mesma coisa: afinal, se o seu voo sofrer um atraso, é a mesma coisa que a duração do tempo que você a esperando. Mas este não parece ser o caso em escalas atômicas.
"A mecânica quântica diz que pode haver um processo — um evento — que é descrito por várias escalas de tempo", diz Steinberg.
"Então, você pode perguntar: "quando [um fóton] chega");