População preta cresce 42% e outras 4 novidades sobre perfil étnico-racial dos brasileiros no Censo 2022

Crédito, Agência Brasil
- Author, Thais Carrança
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
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A parcela da população brasileira que se autodeclara de cor ou raça preta ou de 14,5 milhões no Censo populacional de 2010, para 20,7 milhões em 2022, um crescimento de 42,3%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Com isso, a proporção de pretos no total da população avançou de 7,6% para 10,2%.
Ao mesmo tempo, os autodeclarados pardos superaram os brancos pela primeira vez no Censo.
Em 2022, 92,1 milhões de brasileiros (45,3% do total) se declararam pardos, ante 88,3 milhões de brancos (43,5%). Em 2010, 47,7% da população dizia ser branca e 43,1%, parda.
Entre 2010 e 2022, a população brasileira cresceu 6,5%, ando de 190,8 milhões para 203,1 milhões.
A mudança do perfil étnico-racial dos brasileiros confirma tendência já conhecida através da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), pesquisa amostral realizada mensalmente pelo IBGE nos domicílios.
Ela também dá continuidade a um processo já observado de "escurecimento" da população brasileira, com número crescente daqueles que se autodeclaram pretos e pardos, o que, segundo analistas, é fruto de questões demográficas, mas também do avanço da valorização da negritude na sociedade.
Essas são algumas das novidades divulgadas pelo IBGE, que nesta sexta-feira (21/12) publica o material Censo Demográfico 2022: Identificação étnico-racial, por sexo e idade - Resultados do universo. Trata-se da quinta divulgação de dados coletados pelo último Censo.
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Outras tendências reveladas pelo instituto são a queda no número de autodeclarados brancos (-3,1%) e o envelhecimento desta parcela da população.
Uma mudança metodológica também levou a recuo acentuado da parcela da população que se declara amarela (-59,2%), termo usado pelo IBGE para as pessoas de origem oriental (japonesa, chinesa, coreana etc).
Confira cinco novidades sobre o perfil étnico-racial dos brasileiros reveladas pelo Censo 2022.
1. Pardos superam brancos e se tornam maior grupo
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"Nos censos demográficos, é a primeira vez que temos essa inversão ", observa Marta Antunes, responsável pelo projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE.
"Essa é a grande mudança da estrutura [étnico-racial do país] que apresentamos com esses dados de 2022."
O IBGE trabalha desde o Censo de 1991 com cinco categorias de cor ou raça: branca, preta, amarela, parda e indígena.
O instituto considera como parda a pessoa que se declara assim ou que se identifica com a mistura de duas ou mais opções de cor ou raça, incluindo branca, preta, parda e indígena.
O movimento negro brasileiro costuma agrupar pretos e pardos na categoria "negros". Trata-se de uma estratégia histórica para fortalecer a luta por direitos para esse grupo, apoiada na visão de que pardos também são vítimas do racismo.
O IBGE, no entanto, não utiliza a nomenclatura "negro", tratando pretos e pardos como categorias separadas.
Antunes observa que essa opção se deve ao fato de que, para o IBGE, os pardos não são apenas pessoas com ascendência africana, mas também descendentes de outros grupos étnico-raciais existentes no Brasil, como os indígenas.
A luta do movimento negro por direitos e contra o racismo está, no entanto, diretamente relacionada ao aumento do número de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, observa Mario Theodoro, autor do livro A sociedade desigual: Racismo e branquitude na formação do Brasil (Zahar, 2022).
"Nos últimos anos, com o advento do movimento negro, da militância negra e com uma certa valorização da imagem do negro que foi dada a partir dos anos 1980 e 1990, uma série de pessoas que antes se declaravam brancas aram a assumir sua negritude ao se declararem como pardas", observa o economista.
O especialista destaca ainda que muitos que antes se declaravam pardos aram a se declarar como pretos, em função da maior valorização do negro dentro da história e da cultura do país, um resultado também da militância negra, no entendimento do especialista.
Theodoro observa que há também um componente demográfico nesse "escurecimento" da população brasileira.
Isso porque pretos e pardos tendem a ter mais filhos do que os brancos, por questões culturais, mas principalmente pelo fator renda.
Pretos e pardos são maioria entre os mais pobres e menos escolarizados, e essa parcela da população tem taxa de fecundidade maior do que os mais ricos.
"Mas esse crescimento [no número de autodeclarados pretos e pardos] nos últimos anos é muito maior do que a questão demográfica, então a explicação precisa levar em conta essa mudança de mentalidade, de as pessoas cada vez mais itirem sua negritude."
Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper e autor do livro Números da discriminação racial (Jandaíra, 2023), acrescenta que a miscigenação também é um fator relevante para o aumento da população que se declara parda.
O avanço dessa parcela da população se reflete ainda na composição étnico-racial dos municípios.
Em 3.245 municípios brasileiros (58,3% do total), pardos são o grupo étnico-racial predominante, com destaque para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além do norte dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Outros 2.283 municípios (41%) têm predominância branca, notadamente no Sul e Sudeste.
Indígenas predominam em 33 municípios (0,6%) e pretos em apenas 9 (ou 0,1% do total). Não há municípios com predominância de pessoas de cor ou raça amarela.
2. População preta cresce 42%
Em agosto, quando divulgou os resultados do Censo 2022 para a população indígena, o IBGE reportou um salto de 89% das pessoas que se autodeclaram indígenas, em relação a 2010.
Isso é resultado de uma mudança metodológica, mas também do movimento de recuperação da identidade indígena que tem se fortalecido nos últimos anos.
Agora, o instituto divulga um forte crescimento também em outro grupo étnico-racial: os autodeclarados pretos, com avanço de 42%.
Os motivos aqui são similares aos que explicam o avanço no número de pardos, ou seja, fatores culturais e demográficos combinados.
Além disso, segundo especialistas, há uma ressignificação nas últimas décadas do termo "preto". Antes visto como pejorativo por parte da sociedade brasileira, o termo tem sido abraçado por muitos na esteira do movimento de valorização da negritude.
França, do Insper, cita a instituição da Lei de Cotas em 2012 — que estabeleceu a reserva de vagas no Ensino Superior para pretos, pardos, indígenas e estudantes de escolas públicas — e o assassinato por policiais do afro-americano George Floyd em 2020, como marcos do debate racial no Brasil.
"Há a formação de uma massa crítica nas universidades, que está produzindo livros e ampliando o debate racial de forma considerável nos últimos anos", diz França.
"Em meio a isso tudo, há a formação de várias novas lideranças negras, de negros com grande visibilidade no debate público. Isso impacta também o que chamamos de modelos sociais: agora muitas crianças e jovens am a ter mais referências negras para se espelhar, o que ajuda no processo de formação da identidade e de autodeclaração como negro", observa o pesquisador.
"No ado, em alguns setores da sociedade, ser chamado de preto era algo até pejorativo, mas com o ar do tempo há essa valorização da identidade negra, que estimula as pessoas cada vez mais a não só se verem como negras, mas valorizarem a própria identidade."
3. Metodologia muda e população amarela diminui
Se as parcelas preta e parda da população aumentaram entre os censos de 2010 e 2022, a parcela amarela foi na contramão, diminuindo de 2,1 milhões (ou 1,1% do total), para 850 mil (0,4%).
Trata-se de uma redução de 59,2% e isso se deve a uma mudança na metodologia do Censo, explica Marta Antunes, do IBGE.
"O IBGE identificou em estudos um descolamento de parte da população que se declarava amarela, em relação à definição oficial do instituto do que é a cor ou raça amarela", observa a técnica.
Para endereçar esse problema, no Censo de 2022, o IBGE adotou uma mensagem automática que ou a ser lida pelos recenseadores a todas as pessoas que se declarassem amarelas.

Crédito, IBGE
A mensagem dizia: "Considera-se como cor ou raça amarela a pessoa de origem oriental: por exemplo: japonesa, chinesa, coreana. Você confirma sua escolha");