O plano ultrassecreto dos EUA para detonar uma bomba de hidrogênio na Lua que nunca foi realizado

Legenda do áudio, Bombas de hidrogênio são muito mais destrutivas do que bomba atômica lançada sobre Hiroshima em 1945
  • Author, Mark Piesing
  • Role, BBC Future

O momento em que o astronauta Neil Armstrong (1930-2012) deu seu famoso o na superfície da Lua em 1969 é lembrado como um dos mais memoráveis da história da humanidade.

Mas como teria sido se a Lua em que Armstrong pisou estivesse marcada por enormes crateras e contaminada pelos efeitos de um bombardeio nuclear?

Isso porque, em plena Guerra Fria, os Estados Unidos chegaram a considerar a ideia de detonar uma bomba de hidrogênio na Lua.

O projeto A119, como era conhecida a proposta ultrassecreta, era de autoria de Leonard Reiffel (1927-2017), um dos principais físicos nucleares dos Estados Unidos. Ele trabalhara com Enrico Fermi (1901-1954), criador do primeiro reator nuclear do mundo e conhecido como o "arquiteto da bomba nuclear".

As bombas de hidrogênio eram muito mais destrutivas do que a bomba atômica lançada sobre Hiroshima em 1945 e consideradas o que havia de mais moderno em armamento nuclear na época.

Entre maio de 1958 e janeiro de 1959, Reiffel produziu, a pedido de memebros do alto escalão da Força Aérea americana, vários relatórios sobre a viabilidade do projeto.

Inacreditavelmente, um dos cientistas que apoiou esse plano foi o astrônomo Carl Sagan (1934-1996), que se tornaria um ícone desse campo.

Na verdade, a existência do projeto só foi descoberta na década de 1990 porque Sagan o mencionou em um requerimento para uma universidade de elite nos EUA.

Pouso na Lua

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Pouso lunar dos Estados Unidos em 1969 poderia ter sido diferente se Projeto A119 tivesse sido realizado anos antes

Batalha espacial

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Embora se acredite que o plano poderia ter ajudado a responder algumas questões científicas rudimentares sobre a Lua, o principal objetivo do Projeto A119 era uma demonstração de força.

A bomba explodiria na linha entre os lados claro e escuro da Lua, conhecida como terminador ou zona de crepúsculo, para criar um flash de luz brilhante que qualquer um, mas especialmente no Kremlin, poderia ver a olho nu.

A ausência de uma atmosfera significava que não haveria nuvem de cogumelo nuclear.

Existe apenas uma explicação convincente para propor um plano tão sombrio, e sua motivação está em algum ponto entre insegurança e desespero.

Na década de 1950, não parecia que os Estados Unidos estavam vencendo a Guerra Fria.

Havia uma sensação, alimentada por políticos americanos e pela própria opinião pública, de que a União Soviética (URSS) estava à frente na corrida nuclear, especialmente no desenvolvimento e número de bombardeiros e mísseis nucleares.

Posteriormente, descobriu-se que esses temores eram infundados.

Mas os Estados Unidos tinham motivos para suspeitar que estavam ficando para trás, apesar de terem realizado a primeira explosão de uma bomba de hidrogênio em 1952.

Para surpresa de Washington, os soviéticos conseguiram explodir a deles apenas três anos depois, e então, em 1957, Moscou deu um grande salto na corrida espacial com o lançamento do Sputnik 1, o primeiro satélite artificial em órbita ao redor do mundo.

Terminador lunar

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Explosão de uma bomba de hidrogênio no terminador lunar poderia ter sido vista da Terra

Contribuiu para o nervosismo dos americanos o fato de que o Sputnik tenha sido lançado em um míssil balístico intercontinental soviético — embora modificado — e que a própria tentativa de Washington de lançar um satélite tenha terminado em um fracasso retumbante.

Imagens do foguete Vanguard transformando-se em uma enorme bola de fogo deram a volta pelo mundo.

Na ocasião, um cinejornal britânico descreveu o episódio sem rodeios: "O (foguete) Vanguard falhou... um grande revés no campo do prestígio e da propaganda...".

Enquanto isso, nas escolas americanas, os alunos eram expostos ao famoso filme informativo Duck and Cover, no qual Bert, uma tartaruga animada, ensinava às crianças o que fazer no caso de um ataque nuclear.

Explosão do Vanguard

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Imagens da explosão do Vanguard deram volta ao mundo e prejudicaram credibilidade do programa espacial dos Estados Unidos

Mais tarde naquele ano, jornais americanos, citando uma fonte de inteligência do alto escalão, noticiaram que "os soviéticos bombardearão H (hidrogênio) na Lua no aniversário da Revolução, 7 de novembro".

Outras reportagens indicavam que os soviéticos podiam já estar planejando lançar um foguete com armas nucleares contra a Lua.

Tal como acontece com outros rumores da Guerra Fria, suas origens são difíceis de decifrar.

Estranhamente, esse mesmo temor provavelmente motivou os soviéticos a levar seus planos adiante.

Um deles, com o codinome E4, era uma imitação do americano e acabou sendo descartado por Moscou por motivos semelhantes: medo de que um lançamento fracassado pudesse fazer com que a bomba caísse em solo soviético, o que teria sido um "incidente internacional altamente indesejável".

Pode ser que eles tenham percebido que pousar na Lua seria mais vantajoso.

Sputnik

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Com Sputnik, primeiro satélite colocado em órbita, URSS mostrou sua força na corrida espacial

'Tecnicamente viável'

Em 2000, Reiffel disse que o projeto era "tecnicamente viável" e que a explosão teria sido visível na Terra.

Pelo visto, houve pouca preocupação com os possíveis danos causados ao ambiente lunar primitivo, pelo menos por parte da Força Aérea dos EUA.

"O Projeto A119 foi uma das várias ideias lançadas como resposta ao Sputnik", diz Alex Wellerstein, historiador da ciência e tecnologia nuclear.

"Outra foi abater o Sputnik. Essas ideias estapafúrdias... projetadas mais para impressionar as pessoas."

"O que os americanos fizeram no final foi colocar seu próprio satélite em funcionamento, e isso levou um pouco de tempo, mas eles continuaram com o projeto A119 com alguma seriedade, pelo menos até o final dos anos 1950", acrescenta o historiador.

Na visão de Wellerstein, "foi um período bastante interessante sobre o tipo de mentalidade americana da época. Essa necessidade de que, para competir, era preciso criar algo muito impressionante".

Vanguard

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Legenda da foto, Apesar da explosão do Vanguard, cientistas estavam convencidos da viabilidade do Projeto A119

"Acho que, nesse caso, era impressionante e aterrorizante ao mesmo tempo", opina.

No entanto, Wellerstein não sabe dizer até que ponto os físicos estavam mesmo engajados no projeto. Era uma época de "caça à bruxas" e muitos temiam que pudessem ser acusados de simpatizantes do comunismo se se afastassem de projetos desse tipo.

"Qualquer um que ocupou esses cargos (no projeto)_ provavelmente o fez porque estava motivado até certo ponto", opina.

"Eles não se importavam em realizar o trabalho. Se tivessem medo, poderiam ter feito um milhão de outras coisas. Muitos cientistas fizeram isso na Guerra Fria; foram fazer outras coisas pois a física havia se tornado política demais."

Foco lunar

Foguete chinês

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, China é um dos países que mais avançaram em seu programa espacial nos últimos anos

Outro ponto de inflexão teria sido a Guerra do Vietnã, que pode ter provocado uma espécie de exame de consciência.

Bleddyn Bowen, especialista em política espacial e relações internacionais no espaço sideral, diz que os projetos como o A119 fizeram parte da "onda de 'espaçomania' típica dos final dos anos 1950 e início dos anos 1960", mas recebiam pouca atenção fora da comunidade espacial.

"Se houver algo como esse tipo de histeria lunar novamente, isso vai contra a ordem legal internacional estabelecida... acordada por quase todos os países do mundo", assinala ele.

E esses planos poderiam ressurgir, apesar do consenso internacional?

"Ouvi algum burburinho vindo de alguns lugares e do Pentágono sobre a Força Espacial dos EUA estudando missões para o ambiente lunar", afirma Bowen.

A questão, porém, é que se algumas das ideias mais malucas não foram levadas a cabo pelos Estados Unidos, isso não significa que elas não possam ter sucesso em outros países, como a China.

"Não ficaria surpreso se houvesse um grupo na China que quisesse promover algumas dessas ideias porque estão de olho na Lua e trabalham nas forças armadas", acrescenta Bowen.

A maioria dos detalhes do Projeto A119 permanece envolvida em mistério. Aparentemente, muitos deles foram destruídos.